Optometristas não deveriam atuar no diagnóstico de doenças e seus tratamentos terapêuticos, sejam eles medicamentosos ou cirúrgicos, rege a Portaria Nº. 397 de 2002. Entretanto, esquecem suas atribuições originais e receitam, irregularmente, óculos e lentes de contato, em ópticas da Capital. Com isso, as lojas desse segmento são transformadas em verdadeiros consultórios clandestinos. O Sindicato do Comércio das Óticas de Mato Grosso e os oftalmologistas alertam para esse grave problema. Em busca de economia, muitas pessoas procuram as ópticas sem antes consultar um oftalmologista. Alguns estabelecimentos aproveitam essa deixa e a ausência de fiscalização intensiva para tirar proveito econômico dessa situação, vendendo óculos sem qualquer orientação de um médico especialista.
O exame mais comum realizado nas ópticas e que deveriam ser feitos dentro de um consultório médico é o de refração (refratometria). Esse exame oftalmológico fornece dados úteis para a prescrição de lentes corretoras, mas desde que se levem em consideração variável como, por exemplo, uso prévio ou não de óculos, idade e demais diagnósticos do paciente. Veja bem: paciente. Portanto, esse procedimento deveria ser tomado por um especialista. “A prescrição de lentes corretoras não pode ser realizada, exclusivamente, com os dados fornecidos pela refração”, explica o oftalmologista Adriano Jorge Rodovalho.
O presidente do sindicato e proprietário de óptica, Manoel Procópio, afirma que esse descontrole se deve pela falta de fiscalização, uma responsabilidade da Agência de Vigilância Sanitária de cada município. Procópio declara que, frequentemente, realiza diversas denúncias ao órgão fiscalizador e também pede ajuda à Prefeitura de Cuiabá, mas que não tem obtido resultados. “Nós sempre mantemos contato com a Vigilância Sanitária no sentido de auxiliar na fiscalização. Vejo que este mercado está uma baderna. As ópticas não cumprem as regras. Oferecem consultas sem habilitação indicada para isso”, critica Procópio. “Várias foram as vezes que procurei a administração da Saúde para intensificar a fiscalização principalmente na rua Cândido Mariano (via conhecida pela grande quantidade de lojas do segmento”, completa Procópio.
Inércia
O oftalmologista Marco Antonio Borges Leal e o Manoel Procópio concordam em vários pontos, principalmente no fato da direção da Vigilância Sanitária ser uma escolha política e não técnica, o que atrapalha na elaboração de ações de fiscalização. “Entendo que há uma despreocupação com a vigilância nas ópticas. Esse comércio mantém técnicos despreparados e não temem a fiscalização por que ela é quase irrisória”, avalia Procópio. “O comando da Vigilância Sanitária serve para manter espaço político”, diz Marco Antonio. Para o sindicalista, “é mais fácil abrir uma óptica do que um bar”. “Para cada óptica deveria haver um técnico ou optometrista. Em alguns locais nem mesmo há esse técnico ou ele atua ilegalmente”, afirma.
Os oftalmologistas se sentem prejudicados com a falta de fiscalização. Eles estudam exatos nove anos para obterem o CRM e se veem de mãos atadas quanto ao grande número de diagnósticos irregulares. Adriano Rodovalho explica que cursam medicina durante seis anos e ficam mais três em bancos de universidades fazendo especialização. Já um técnico passa em torno de um ano ou um ano e meio para aprender atividades restritas ao comércio de óculos, mas optam por operarem como se fossem médicos. “Digo que é uma atuação tão injusta, não porque disputo o mercado, mas pela necessidade de emitir um diagnóstico correto”, salienta Rodovalho.
O médico Marco Antonio de Leal cita um exemplo de que como o médico avalia melhor a patologia do paciente e evita o mal uso de aparelhos que, segundo os especialistas, deveriam estar apenas nas mãos de oftalmologistas. “Há algum tempo atendi uma criança que tinha 0,25º de hipermetropia. Avaliei a menina em um hospital público como atendo todo paciente em clínica privada. Disse ao pai que a menina não precisava usar óculos, pois a hipermetropia da menina era comum em todas as crianças. O pai me disse que uma óptica havia receitado um óculos de R$ 250. Esse é um dos mais simples exemplos de uma atuação correta”, diz Leal. “Se o pai fosse pagar uma consulta e exames da maneira correta ele não chegaria a gastar esse valor”, completa. O valor de uma consulta varia entre R$ 50 e 300. “Há vários preços. O paciente pode ser atendido por um ótimo profissional e pagar o que pode. É uma questão de pesquisar”, diz o oftalmologista.
Equipamentos e capacitação
Os oftalmologistas também alertam para outro agravante: a venda de equipamentos às pessoas que não são profissionais. Segundo eles, não é necessário apresentar o CRM para adquirir um equipamento oftalmológico, o que facilita a transformação de ópticas em consultórios clandestinos. O equipamento mais comum em ópticas e que deveriam ser de uso exclusivo das clínicas é o auto-refrator, que sozinho não é o suficiente para avaliar a patologia do paciente.
Além da venda indiscriminada, os proprietários de ópticas mostram pouca preocupação em capacitar seus funcionários. No Senac, única entidade habilitada para qualificar técnicos de ópticas Há duas turmas com aproximadamente 28 matriculados cada uma, porém uma nova turma deixou de ser criada por falta de matrículas. A demanda chegou a apenas 11 alunos inscritos e levou o Senac a cancelar a classe deste ano.
SOS Visão
Outra grande preocupação dos oftalmologistas é quanto à escassez de esclarecimentos técnicos e legais sobre o campo de atuação dos optometristas. A invasão é tão grande que algumas secretarias estaduais de Saúde, juntamente com as secretarias de Vigilância Sanitária determinaram a suspensão da emissão de alvarás sanitários para a atividade de Optometria. É o que ocorreu em Minas Gerais, por exemplo. Com a intervenção do Ministério Público Federal, o mesmo aconteceu no Espírito Santo, onde foi decretada a dissolução do Conselho Regional de Técnicos Ópticos, Optometristas e Contatólogos. Na sentença a Justiça Federal reconheceu que a constituição do Conselho era uma abertura para o exercício da atividade.
Os médicos especialistas da visão de mato-grosso esperam que isso ainda possa vir a acontecer em Mato Grosso. Uma denúncia já foi feita no Ministério Público Estadual com vistas a solicitar uma operação investigativa, principalmente nas ópticas da Capital. As investigações estão em andamento e, por enquanto, cabe apenas à Vigilância Sanitária monitorar as ópticas. Até mesmo a atual legislação dificulta ações como as que ocorreram no Espírito Santo e em Minas Gerais neste ano. Não está previsto em nenhum estatuto a quem competirá, em situação de ilegalidade em alguma clínica, a incumbência de responder como responsável pela entidade em questão. Decretos-leis de 1932 e 1934, que regem a atuação dos ópticos precisariam de uma atualização para definir melhor o papel dos técnicos em ópticas e dos optometristas. Uma contradição: em 1932 e 1934 não existia no Brasil a especialidade “oftalmologia”. Os médicos oftalmologistas só surgiram mesmo em 1938. Nesse sentido, assim como os oftalmologistas, os técnicos em ópticas e os optometristas se sentem prejudicados pela falta desta descrição exata de funções. Dizem, inclusive que esse assunto do “exercício ilegal da medicina” pelos ópticos-optometristas evidencia não só a defesa da saúde pública, mas também para preservar seus interesses de mercado.
Fiscalização escassa
A reportagem do jornal Circuito Mato Grosso tentou o contato com o diretor da Vigilância Sanitária, mas ele pediu que questionamentos fossem encaminhados a ele via assessoria. A assessoria ficou de informar os dados sobre a fiscalização, mas disse apenas que o diretor da Vigilância Sanitária foi definido por critério técnico, já que ele é um sanitarista. Perguntado sobre o andamento da fiscalização nesse setor do comércio varejista, o fiscal que atende por prenome Alcino afirmou que a fiscalização ocorre com frequência e que a maioria das visitas técnicas resultam em notificações. Segundo o agente fiscal, as ópticas notificadas recebem prazos para realizarem as adaptações necessárias. “As autuações (multas) são poucas, pois as ópticas procuram se adequar”, disse Alcino.
Funções do técnico ou optometrista
Conforme o entendimento da legislação, do sindicato e também dos oftalmologistas, ao optometrista cabe as funções de apenas aconselhar, adaptar, conceder, realizar e controlar todo equipamento óptico de qualquer natureza, destinado a compensar anomalias da visão detectadas previamente pelo médico.
É proibido a eles serem sócios de médicos, pagar-lhes comissão em troca de indicações de aviamentos de receitas ou indicar médicos a seus clientes. Também não podem prescrever medicamentos ou tratar de casos patológicos de sua clientela.
Patologias mais comuns
Uma parcela de quem procura um oftalmologista possui alguma alteração visual corrigível com óculos, lentes de contato ou cirurgia refrativa. O que é chamado na oftalmologia de vícios de refração. Confira quais são as anomalias relativas a essa alteração, segundo informações do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
Miopia
É a condição em que os olhos podem ver objetos que estão perto, mas não são capazes de enxergar claramente os objetos que estão longe. O principal fator que influencia o aparecimento da miopia é a hereditariedade. Em geral, o grau de miopia aumenta durante o período de crescimento. As formas de correção da miopia são: óculos, lentes de contato ou cirurgia.
Hipermetropia
Ocorre quando o olho é menor do que o normal. Isso cria uma condição de dificuldade para que o cristalino focalize na retina os objetos colocados próximos ao olho. A maioria das crianças são hipermétropes de grau moderado, condição esta que diminui com a idade. A hipermetropia pode ser corrigida através do uso de óculos, lentes de contato ou cirurgia.
Astigmatismo
É causado por diferentes curvaturas corneanas ou por irregularidades na córnea, formando a imagem em planos diferentes, o que ocasiona a distorção da mesma. O uso de óculos, lentes de contato ou cirurgia podem corrigir o astigmatismo.
Presbiopia
Conhecida como “vista cansada”, manifesta-se normalmente após os 40 anos, criando uma dificuldade para enxergar de perto e de longe. O uso de óculos ou lentes de contato são formas de correção da presbiopia.